Depois que eu descobri o Shuttle Bus, minha vida nunca mais foi a mesma.
Na verdade, depois que eu descobri o Shuttle Bus surgiu uma nova questão: esperar ou não pelo Mr. Gratuito?
O Bus não era tão inconstante assim, entretanto, mesmo indo e vindo de 15 em 15 minutos, perdê-lo e esperá-lo + 15 minutos era um luxo que eu não poderia me dar.
O navio deixou Lisboa à meia-noite daquele cansativo, mas proveitoso dia.
Terminei o serviço às 22hs. Consegui descer no porto apenas para ligar para casa e encontrar a Dani e o francês pirata.
Dei uma última olhada para a agradável cidade, visualizei a imensa ponte com seus carrinhos indo e vindo, o Cristo iluminado, os enfeites de Natal acesos…
Fiz um pensamento bem positivo de um breve retorno. Definitivamente essa cidade havia me encantado.
Seguimos chorosos para a Ilha da Madeira.
Chorosos pois o 30 de Novembro seria dia de navegação, e dia de navegação…
Toda manhã recebíamos o Today, a programação de tudo o que ia acontecer no navio: shows, festas, bingos, vendas, cafés, buffet, restaurantes…
O Today de 30 de Novembro trazia a seguinte informação em italiano: “Navigazione nell’Oceano Atlantico con rotta WSW alla volta dell’Arcipelago Di Madeira, formato da 3 isolette. Nella piú grande vi è Funchal, suggestiva città ricca di fiori e frutta dai splendidi colori e profumi”.
Li isso e imediatamente comecei imaginar uma ilha paradisíaca perdida no meio do oceano.
Só fui associar a Ilha da Madeira com Funchal, quando uma amiga minha disse que eu não deveria perder por nada o passeio de teleférico até o topo da montanha.
Ela disse que uma vez lá em cima, o percurso de volta era feito ladeira abaixo, dentro de uma espécie de caixote-trenó-carrinho-de-rolemã empurrado pelos portugueses, como num tobogã.
Na hora me lembrei de uma entrevista do Repórter Record, que mostrava a aventura em descer as famosas ladeiras da Ilha da Madeira nesse caixote.
Eu ainda não sabia como arranjaria tempo para visitar esses lugares, já que minha amiga me alertou que só a subida de teleférico demorava uns 25 minutos.
Enquanto meu corpo trabalhava nas intermináveis tarefas do meu dia a dia, a minha mente trabalhava numa solução para Funchal.
Às 4:30hs da manhã do dia 1º de Dezembro, já era possível ver a Ilha de Porto Santo, uma das quatro ilhas do arquipélago. Aproximadamente às 6hs, navegamos pela costa da Ilha da Madeira e às 7hs, o navio bailava para se aproximar do porto.
A Ilha da Madeira ou Funchal fica mais perto do continente Africano do que do Europeu.
É curioso saber que essa ilha fica quase na altura de Marrocos e se traçarmos uma ilha imaginária, Funchal se encontra na altura das Bermudas…
A ilha da eterna primavera, o lugar onde o verão atravessa o inverno tem um clima suave e satisfatório.
Madeira não poderia ser nome mais apropriado para a ilha, uma vez que seus descobridores avistaram gigantescas árvores, cujos troncos serviram para reparar seus próprios navios.
O nome Funchal se deu pela existência dos funchos, uma espécie de planta aromática que cobria quase toda a ilha e se alargava até à beira-mar.
Apesar de ser uma região autônoma de Portugal, Funchal é a capital de província da ilha.
Por encontrar-se no centro de correntes extremamente favoráveis, a costa e o interior da ilha se tornaram uma gigantesca serra de flores coloridas e perfumadas.
Desde sempre Madeira é uma localidade turística. Os marítimos das longas viagens destinadas à África e Índias, antes de voltar para casa e enfrentar chuvas, neblinas e mar agitado, paravam algum tempo aqui para repousar do cansaço das travessias oceânicas. Cristóvão Colombo foi um dos primeiros mercantes a freqüentar a ilha, após ter se casado com a filha do governador de Porto Santo, viveu por aqui algum tempo.
A solução para conhecer Funchal se deu enquanto eu trabalhava na piscina.
Era certo que o navio partiria para Santa Cruz de Tenerife às 17hs, ou seja, o meu break das 15hs às 17hs não valeria absolutamente nada, já que a tripulação precisava estar uma hora antes do navio partir do que os passageiros.
Lembrei-me da minha família imaginária portuguesa que morava por aqui.
Mas é claro! Como não havia pensado nisso antes?
Rapidamente fui ao meu chefe com essa tática e perguntei-lhe se poderia trabalhar no meu break e sacrificar o meu horário de almoço, juntando meu horário de break… Fazer um bem bolado pra poder voltar às 16hs…
Depois de deixar bem claro que essa seria a única vez que ele permitiria isso, meu chefe nem sabia, mas havia me dado o dia mais legal de toda essa minha aventura transatlântica. Madeira foi minha paixão.
Eu voei para minha cabine, me vesti de Chapolin Colorado, apanhei a mochila, a câmera, alguns tostões para os postais de sempre, para um lanche no Mc Donald´s e para tentar subir o tal teleférico.
Nem bem sai e vi que o Bus não estava por ali.
Rapidamente fui acompanhando os passageiros. Estavam todos indo a pé, resolvi segui-los.
Contornamos o braço do porto e já alcançamos a cidade. O centro de Funchal era bem pertinho.
Pude ver o gigante branco lá atrás: bonitão, imponente, silencioso.
É engraçado olhar pra ele. O navio, visto de longe, mesmo pra gente que trabalha nele, transpassa uma paz, uma harmonia, uma calma. Ninguém imagina o inferninho que são aqueles corredores da área Crew (área de tripulantes) e a bagunça descomunal que é lá dentro:
A cada passo que eu dava eu me libertava.
Eu ia contornando as ruas limitadas por muralhas bem construídas até avistar os casarões monumentais. Mc Donald´s ao lado de Pizza Hut, pontos de ônibus coloridos ao lado de cyber cafés, lojinhas e bancas, barraquinhas e restaurantes abarrotados de gente do mundo todo. Comprei meu postal, meu selo e botei na caixinha redondinha no meio da avenida principal.
Essa avenida era de uma delicadeza tamanha. Seus jardins eram imaculadamente cuidados e suas plantas jurassicamente gigantescas:
Não resisti à beleza dessa avenida principal, ela era imensa.
Disseram-me para segui-la até o fim da vida, que eu encontraria o teleférico.
Nem tava me importando muito com a distância. Percebi que Funchal era segura já nos primeiros minutos de contemplação.
Os táxis, todos Mercedes Série E, já anunciavam a riqueza do lugar.
Andar por aquele lugar era inacreditável. Os vários New Beetles que passavam pela avenida principal cheio de gente jovem, as duas dúzias de ônibus de todos os tipos, cores e tamanhos embarcando e desembarcando turistas, gente do mundo todo sorrindo, tirando fotos:
De um lado havia o mar, do outro a cidade equilibrando suas casas no morro.
Aquela vontade em pedalar de bike por essas ruas quase me desviou do meu objetivo: o teleférico.
Observar a vida acontecendo era um prazer:
Encontrei o tal do teleférico.
Sem pensar duas vezes, apanhei a minha carteira e comprei a ascensão.
A ida + a volta custavam €14, mas como eu queria descer de caixote ladeira abaixo, paguei apenas a ida €10.
O teleférico é todo modernoso. A cabine é muito confortável, protegida, tem ar condicionado, musiquinha de elevador…
Ao passar o bilhete eletrônico na catraca e entrar na estação, a gente embarca numa plataforma especial, que abriga uma engenhoca cheia de trilhos suspensos e engrenagens giratórias, onde as cabines são colacadas no cabo de aço. Tudo é muito louco, pois essa gigantesca roda giratória funciona com velocidade diferente à velocidade de viagem.
Pensei na minha nona. Com certeza a Dª Tunica iria conseguir subir nesse teleférico. A cabine quase parava pra gente entrar.
Lógico que fui sozinho. Eu estava sempre sozinho, isso nem era mais um problema…
Tava tão contente, pois sou fanático por teleféricos. Esse especialmente me lembrava um dos mais fantásticos teleféricos que eu já andei na minha vida: Cerro Otto em Bariloche.
Saber que dentro de instantes eu estaria tendo mais uma dessas recordações teleféricas panorâmicas cravadas na minha mente me deixou impaciente.
Após registrar esse momento, entrei na cabine:
Minha teoria de que sempre é delicioso e inesquecível acessar um teleférico se confirmou na primeira contemplação:
Nem bem tinha saído do chão e já dava pra ver uma boa parte da cidade:
Voar é bom, navegar também é, mas viajar de teleférico é mais mágico. É voltar a ser criança. A sensação que se tem – seja teleférico de cabine fechada, de cadeirinha aberta, bondinho do Pão de Açúcar, skylift – é de se estar num magic carpet ride (tapete voador).
O barulho e a agitação da cidade vai sendo substituído aos poucos pelo silêncio das alturas, pelo som do vento:
Sabe quando não dá pra acreditar no que os olhos estão vendo?
Quanto mais eu olhava, mais eu não conseguia separar céu de mar, sonho de realidade:
A viagem de ida durou quase meia hora.
Desci lá no topo de Funchal e gelei. A temperatura estava completamente diferente.
Era como se a ilha tivesse duas dimensões:
Encontrei mil caminhos e vi um totem com informações:
Rapidamente tomei o caminho pra esquerda pra me informar sobre a descida através dos caixotes:
A mocinha do jardim japonês disse que os “Carreiros do Monte”, os meus “caixoteiros”, não estavam trabalhando hoje por causa do tempo.
Raios!
Eu queria tanto ser empurrado ladeira abaixo, que acabei ficando para ouvir mais sobre os carreiros.
A mocinha do jardim me disse que os carreiros estão sempre prontos pra descida. Vestidos como manda a tradição: camisa, calça branca, bota típica de pele e chapeuzinho de palha, estão sempre esperando seus passageiros entre um ou outro joguinho de cartas…
“O caixote” consiste nada mais nada menos do que um carro com forma de cadeira almofadada com cabeceira alta feita de vime. Ele desliza sobre esquis de madeira ensebados ladeira abaixo e sua capacidade de transporte variam entre duas ou três pessoas.
O combustível utilizado não se prende com petróleos ou derivados, a boa adrenalina move os aventureiros de idades tão díspares quanto se pode imaginar. Desde jovens em lua-de-mel a idosos de bengala na mão que precisam ser ajudados para subir no carro.
Agradeci a mocinha, que já queria me vender um ingresso para o jardim japonês e segui para o outro lado:
Acabei encontrando um caminho fantasmagórico: A M E I !!!
Todo mundo sabe que eu amo lugares misteriosos.
Esse aqui era bonito demais, mas envolto em nuvens do jeito que estava, o simples casarão ganhou ares de mansão assombrada.
O casarão que parecia abandonado era escuro e cheio de largas janelas fechadas.
Não havia viv’alma naquelas redondezas. Isso foi mais que suficiente para fazer minha cabecinha trabalhar e criar mini histórias fantasmagóricas com a velocidade da luz:
Andei mais um pouco e acabei encontrando duas estudantes alemãs. Insisti em algumas fotos na imensa praça coberta de árvores de chorão – aquelas que cujas folhas parecem chorar e atingir o chão – mas para a infelicidade do meu registro fotográfico, uma nuvem nos engoliu literalmente e as fotos se perderam.
Não consegui registrar nem os chorões, nem a igrejinha medieval que desapareceu aos meus olhos. Muito menos consegui encontrar as duas alemãs… Agradeci as meninas com um grito e descobri um outro ponto panorâmico:
Sim. Lá no fundo havia um cemitério! Hehehe…
Lamentei não ter comprado o bilhete de ida e volta por mais €4 e tive que desembolsar + €10.
Entrei na cabine quentinha e me encolhi:
30 minutos de sossego era tudo o que eu queria.
Olhar a Ilha da Madeira de lá de cima me esquentava o coração.
Era como um sopro de vida que entrava e me fortalecia:
Era informação demais para uma pessoa só.
Eu até me sentia um pouco egoísta em estar naquela cabine sozinho, com aquele monte de vida sob meus pés.
Pensei em me esconder na cabine e subir novamente, mas me lembrei do tempo que eu não dispunha:
Mas esses pensamentos eram passageiros.
Logo eu caia na real e me dava conta de que tudo aquilo era pra mim:
Fiz várias fotos posers. Não podia perder a oportunidade de registrar aqueles telhadinhos vermelhos todos voltados pra mim.
Aquilo era muita energia pra explicar apenas com palavras.
Das tantas fotos, pelo menos uma se salvaria.
Pra minha surpresa, conferindo as fotos mais tarde, comprovei que mais do que uma ficaram boas:
Poder sentir que o gigante branco lá de longe me causava uma sensação… Sabem, até hoje não consigo explicar direito. É uma mistura de sentimentos.
Nem o meu band-aid ficou de fora dessa:
Lembrei-me da tão sonhada casa da minha mãe:
Contemplei mais um pouquinho a riquesa alheia:
Aproveitei o restinho da viagem:
Eu não sei o que era mais inconveniente: ver a cada minuto os ponteiros de todos os relógios parecendo estar mais acelerados do que deveriam estar ou ter a visão do gigante branco atracado lá no horizonte, me lembrando a cada piscar de olhos que eu ainda tinha uma tonelada de trabalho pra fazer:
Descer do céu é sempre difícil.
Antes de pisar novamente naquela terra florida e perfumada, fiz um pensamento bem forte para poder voltar algum dia com a minha família, subir novamente o teleférico, visitar o jardim japonês, registrar a igreja, seus chorões e descer a ladeira com os carreiros:
Nem bem desci e já estava próximo ao Mc Donald´s e a Pizza Hut.
Precisava achar aquelas cabines telefônicas pagas e me indicaram subir uma daquelas bonitas ruas em direção a pracinha dos taxistas.
As ruazinhas já estavam todas enfeitadas para o Natal. Desejei poder estar ali de noite para ver a iluminação natalina, mas lembrei que às 17hs o navio zarpava. Apertei o passo por esse caminho desenhado no chão:
Após encontrar um cyber café e falar com minha mãe por quase 20 minutos pagando apenas €2, resolvi tirar uma foto da fila dos táxi:
Foi a minha sorte grande, pois assim que acabei de tirar esta foto, vi as meninas do shopping do navio: Marcelinha cor-de-rosa e Chris tudo de bom.
Muita, muita sorte! Essas duas gurias foram as companhias perfeitas até o final dessa aventura.
Minha câmera nessa hora já estava dando seus espirros traumatizantes e quase me deixou na mão.
Encontrá-las me deu tanta alegria, mas me fez esquecer completamente que eu, até então, não tinha almoçado:
A caminho do Mc, encontramos uma parque com um gramado tão verdinho que não resistimos. As meninas mergulharam na grama. Fizemos várias sessões fotográficas declarando o nosso amor pela ilha. Essa foto tem um quê “tokusatsu” (superheróis japoneses) e foi inspirada numa linda foto que o Gamewatch tirou lá no Japão:
As meninas ficaram descalças. Pularam e rolaram na grama como crianças. Eu tentei pegar a bagunça delas, mas só saiu minha carona de felicidade. Vou precisar pegar as fotos com as meninas:
Era impossível não brincar com o nosso branquinho escondidinho por entre as árvores e suas chaminés amarelinhas:
Nem bem deu tempo de descansar:
Foi só o tempo de comprar um Big Mac, devorar o hambúrguer com apenas 3 mordidas, quase morrer engasgado com a Fanta, guardar as batatas na mochila, correr como um louco para honrar a pontualidade e ainda assim, conseguir centralizar o navio numa foto em movimento: