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17- Funchal “Ilha da Madeira” (Portugal)

Depois que eu descobri o Shuttle Bus, minha vida nunca mais foi a mesma.
Na verdade, depois que eu descobri o Shuttle Bus surgiu uma nova questão: esperar ou não pelo Mr. Gratuito?
O Bus não era tão inconstante assim, entretanto, mesmo indo e vindo de 15 em 15 minutos, perdê-lo e esperá-lo + 15 minutos era um luxo que eu não poderia me dar.

O navio deixou Lisboa à meia-noite daquele cansativo, mas proveitoso dia.
Terminei o serviço às 22hs. Consegui descer no porto apenas para ligar para casa e encontrar a Dani e o francês pirata.

Dei uma última olhada para a agradável cidade, visualizei a imensa ponte com seus carrinhos indo e vindo, o Cristo iluminado, os enfeites de Natal acesos…
Fiz um pensamento bem positivo de um breve retorno. Definitivamente essa cidade havia me encantado.
Seguimos chorosos para a Ilha da Madeira.
Chorosos pois o 30 de Novembro seria dia de navegação, e dia de navegação…

Toda manhã recebíamos o Today, a programação de tudo o que ia acontecer no navio: shows, festas, bingos, vendas, cafés, buffet, restaurantes…
O Today de 30 de Novembro trazia a seguinte informação em italiano: “Navigazione nell’Oceano Atlantico con rotta WSW alla volta dell’Arcipelago Di Madeira, formato da 3 isolette. Nella piú grande vi è Funchal, suggestiva città ricca di fiori e frutta dai splendidi colori e profumi”.

Li isso e imediatamente comecei imaginar uma ilha paradisíaca perdida no meio do oceano.
Só fui associar a Ilha da Madeira com Funchal, quando uma amiga minha disse que eu não deveria perder por nada o passeio de teleférico até o topo da montanha.
Ela disse que uma vez lá em cima, o percurso de volta era feito ladeira abaixo, dentro de uma espécie de caixote-trenó-carrinho-de-rolemã empurrado pelos portugueses, como num tobogã.
Na hora me lembrei de uma entrevista do Repórter Record, que mostrava a aventura em descer as famosas ladeiras da Ilha da Madeira nesse caixote.

Eu ainda não sabia como arranjaria tempo para visitar esses lugares, já que minha amiga me alertou que só a subida de teleférico demorava uns 25 minutos.
Enquanto meu corpo trabalhava nas intermináveis tarefas do meu dia a dia, a minha mente trabalhava numa solução para Funchal.

Às 4:30hs da manhã do dia 1º de Dezembro, já era possível ver a Ilha de Porto Santo, uma das quatro ilhas do arquipélago. Aproximadamente às 6hs, navegamos pela costa da Ilha da Madeira e às 7hs, o navio bailava para se aproximar do porto.

A Ilha da Madeira ou Funchal fica mais perto do continente Africano do que do Europeu.
É curioso saber que essa ilha fica quase na altura de Marrocos e se traçarmos uma ilha imaginária, Funchal se encontra na altura das Bermudas…

A ilha da eterna primavera, o lugar onde o verão atravessa o inverno tem um clima suave e satisfatório.
Madeira não poderia ser nome mais apropriado para a ilha, uma vez que seus descobridores avistaram gigantescas árvores, cujos troncos serviram para reparar seus próprios navios.
O nome Funchal se deu pela existência dos funchos, uma espécie de planta aromática que cobria quase toda a ilha e se alargava até à beira-mar.

Apesar de ser uma região autônoma de Portugal, Funchal é a capital de província da ilha.
Por encontrar-se no centro de correntes extremamente favoráveis, a costa e o interior da ilha se tornaram uma gigantesca serra de flores coloridas e perfumadas.
Desde sempre Madeira é uma localidade turística. Os marítimos das longas viagens destinadas à África e Índias, antes de voltar para casa e enfrentar chuvas, neblinas e mar agitado, paravam algum tempo aqui para repousar do cansaço das travessias oceânicas. Cristóvão Colombo foi um dos primeiros mercantes a freqüentar a ilha, após ter se casado com a filha do governador de Porto Santo, viveu por aqui algum tempo.

A solução para conhecer Funchal se deu enquanto eu trabalhava na piscina.
Era certo que o navio partiria para Santa Cruz de Tenerife às 17hs, ou seja, o meu break das 15hs às 17hs não valeria absolutamente nada, já que a tripulação precisava estar uma hora antes do navio partir do que os passageiros.

Lembrei-me da minha família imaginária portuguesa que morava por aqui.
Mas é claro! Como não havia pensado nisso antes?

Rapidamente fui ao meu chefe com essa tática e perguntei-lhe se poderia trabalhar no meu break e sacrificar o meu horário de almoço, juntando meu horário de break… Fazer um bem bolado pra poder voltar às 16hs…
Depois de deixar bem claro que essa seria a única vez que ele permitiria isso, meu chefe nem sabia, mas havia me dado o dia mais legal de toda essa minha aventura transatlântica. Madeira foi minha paixão.

Eu voei para minha cabine, me vesti de Chapolin Colorado, apanhei a mochila, a câmera, alguns tostões para os postais de sempre, para um lanche no Mc Donald´s e para tentar subir o tal teleférico.

Nem bem sai e vi que o Bus não estava por ali.
Rapidamente fui acompanhando os passageiros. Estavam todos indo a pé, resolvi segui-los.

Contornamos o braço do porto e já alcançamos a cidade. O centro de Funchal era bem pertinho.
Pude ver o gigante branco lá atrás: bonitão, imponente, silencioso.
É engraçado olhar pra ele. O navio, visto de longe, mesmo pra gente que trabalha nele, transpassa uma paz, uma harmonia, uma calma. Ninguém imagina o inferninho que são aqueles corredores da área Crew (área de tripulantes) e a bagunça descomunal que é lá dentro:

A cada passo que eu dava eu me libertava.
Eu ia contornando as ruas limitadas por muralhas bem construídas até avistar os casarões monumentais. Mc Donald´s ao lado de Pizza Hut, pontos de ônibus coloridos ao lado de cyber cafés, lojinhas e bancas, barraquinhas e restaurantes abarrotados de gente do mundo todo. Comprei meu postal, meu selo e botei na caixinha redondinha no meio da avenida principal.
Essa avenida era de uma delicadeza tamanha. Seus jardins eram imaculadamente cuidados e suas plantas jurassicamente gigantescas:

Não resisti à beleza dessa avenida principal, ela era imensa.
Disseram-me para segui-la até o fim da vida, que eu encontraria o teleférico.
Nem tava me importando muito com a distância. Percebi que Funchal era segura já nos primeiros minutos de contemplação.
Os táxis, todos Mercedes Série E, já anunciavam a riqueza do lugar.
Andar por aquele lugar era inacreditável. Os vários New Beetles que passavam pela avenida principal cheio de gente jovem, as duas dúzias de ônibus de todos os tipos, cores e tamanhos embarcando e desembarcando turistas, gente do mundo todo sorrindo, tirando fotos:

De um lado havia o mar, do outro a cidade equilibrando suas casas no morro.
Aquela vontade em pedalar de bike por essas ruas quase me desviou do meu objetivo: o teleférico.
Observar a vida acontecendo era um prazer:

Encontrei o tal do teleférico.
Sem pensar duas vezes, apanhei a minha carteira e comprei a ascensão.
A ida + a volta custavam €14, mas como eu queria descer de caixote ladeira abaixo, paguei apenas a ida €10.

O teleférico é todo modernoso. A cabine é muito confortável, protegida, tem ar condicionado, musiquinha de elevador…
Ao passar o bilhete eletrônico na catraca e entrar na estação, a gente embarca numa plataforma especial, que abriga uma engenhoca cheia de trilhos suspensos e engrenagens giratórias, onde as cabines são colacadas no cabo de aço. Tudo é muito louco, pois essa gigantesca roda giratória funciona com velocidade diferente à velocidade de viagem.
Pensei na minha nona. Com certeza a Dª Tunica iria conseguir subir nesse teleférico. A cabine quase parava pra gente entrar.
Lógico que fui sozinho. Eu estava sempre sozinho, isso nem era mais um problema…
Tava tão contente, pois sou fanático por teleféricos. Esse especialmente me lembrava um dos mais fantásticos teleféricos que eu já andei na minha vida: Cerro Otto em Bariloche.
Saber que dentro de instantes eu estaria tendo mais uma dessas recordações teleféricas panorâmicas cravadas na minha mente me deixou impaciente.
Após registrar esse momento, entrei na cabine:

Minha teoria de que sempre é delicioso e inesquecível acessar um teleférico se confirmou na primeira contemplação:

Nem bem tinha saído do chão e já dava pra ver uma boa parte da cidade:

Voar é bom, navegar também é, mas viajar de teleférico é mais mágico. É voltar a ser criança. A sensação que se tem – seja teleférico de cabine fechada, de cadeirinha aberta, bondinho do Pão de Açúcar, skylift – é de se estar num magic carpet ride (tapete voador).
O barulho e a agitação da cidade vai sendo substituído aos poucos pelo silêncio das alturas, pelo som do vento:

Sabe quando não dá pra acreditar no que os olhos estão vendo?
Quanto mais eu olhava, mais eu não conseguia separar céu de mar, sonho de realidade:

A viagem de ida durou quase meia hora.
Desci lá no topo de Funchal e gelei. A temperatura estava completamente diferente.
Era como se a ilha tivesse duas dimensões:

Encontrei mil caminhos e vi um totem com informações:

Rapidamente tomei o caminho pra esquerda pra me informar sobre a descida através dos caixotes:

A mocinha do jardim japonês disse que os “Carreiros do Monte”, os meus “caixoteiros”, não estavam trabalhando hoje por causa do tempo.

Raios!
Eu queria tanto ser empurrado ladeira abaixo, que acabei ficando para ouvir mais sobre os carreiros.

A mocinha do jardim me disse que os carreiros estão sempre prontos pra descida. Vestidos como manda a tradição: camisa, calça branca, bota típica de pele e chapeuzinho de palha, estão sempre esperando seus passageiros entre um ou outro joguinho de cartas…
“O caixote” consiste nada mais nada menos do que um carro com forma de cadeira almofadada com cabeceira alta feita de vime. Ele desliza sobre esquis de madeira ensebados ladeira abaixo e sua capacidade de transporte variam entre duas ou três pessoas.
O combustível utilizado não se prende com petróleos ou derivados, a boa adrenalina move os aventureiros de idades tão díspares quanto se pode imaginar. Desde jovens em lua-de-mel a idosos de bengala na mão que precisam ser ajudados para subir no carro.

Agradeci a mocinha, que já queria me vender um ingresso para o jardim japonês e segui para o outro lado:

Acabei encontrando um caminho fantasmagórico: A M E I !!!
Todo mundo sabe que eu amo lugares misteriosos.
Esse aqui era bonito demais, mas envolto em nuvens do jeito que estava, o simples casarão ganhou ares de mansão assombrada.
O casarão que parecia abandonado era escuro e cheio de largas janelas fechadas.
Não havia viv’alma naquelas redondezas. Isso foi mais que suficiente para fazer minha cabecinha trabalhar e criar mini histórias fantasmagóricas com a velocidade da luz:

Andei mais um pouco e acabei encontrando duas estudantes alemãs. Insisti em algumas fotos na imensa praça coberta de árvores de chorão – aquelas que cujas folhas parecem chorar e atingir o chão – mas para a infelicidade do meu registro fotográfico, uma nuvem nos engoliu literalmente e as fotos se perderam.
Não consegui registrar nem os chorões, nem a igrejinha medieval que desapareceu aos meus olhos. Muito menos consegui encontrar as duas alemãs… Agradeci as meninas com um grito e descobri um outro ponto panorâmico:

Sim. Lá no fundo havia um cemitério! Hehehe…

Lamentei não ter comprado o bilhete de ida e volta por mais €4 e tive que desembolsar + €10.
Entrei na cabine quentinha e me encolhi:

30 minutos de sossego era tudo o que eu queria.
Olhar a Ilha da Madeira de lá de cima me esquentava o coração.
Era como um sopro de vida que entrava e me fortalecia:

Era informação demais para uma pessoa só.
Eu até me sentia um pouco egoísta em estar naquela cabine sozinho, com aquele monte de vida sob meus pés.
Pensei em me esconder na cabine e subir novamente, mas me lembrei do tempo que eu não dispunha:

Mas esses pensamentos eram passageiros.
Logo eu caia na real e me dava conta de que tudo aquilo era pra mim:

Fiz várias fotos posers. Não podia perder a oportunidade de registrar aqueles telhadinhos vermelhos todos voltados pra mim.
Aquilo era muita energia pra explicar apenas com palavras.
Das tantas fotos, pelo menos uma se salvaria.
Pra minha surpresa, conferindo as fotos mais tarde, comprovei que mais do que uma ficaram boas:

Poder sentir que o gigante branco lá de longe me causava uma sensação… Sabem, até hoje não consigo explicar direito. É uma mistura de sentimentos.
Nem o meu band-aid ficou de fora dessa:

Lembrei-me da tão sonhada casa da minha mãe:

Contemplei mais um pouquinho a riquesa alheia:

Aproveitei o restinho da viagem:

Eu não sei o que era mais inconveniente: ver a cada minuto os ponteiros de todos os relógios parecendo estar mais acelerados do que deveriam estar ou ter a visão do gigante branco atracado lá no horizonte, me lembrando a cada piscar de olhos que eu ainda tinha uma tonelada de trabalho pra fazer:

Descer do céu é sempre difícil.
Antes de pisar novamente naquela terra florida e perfumada, fiz um pensamento bem forte para poder voltar algum dia com a minha família, subir novamente o teleférico, visitar o jardim japonês, registrar a igreja, seus chorões e descer a ladeira com os carreiros:

Nem bem desci e já estava próximo ao Mc Donald´s e a Pizza Hut.
Precisava achar aquelas cabines telefônicas pagas e me indicaram subir uma daquelas bonitas ruas em direção a pracinha dos taxistas.
As ruazinhas já estavam todas enfeitadas para o Natal. Desejei poder estar ali de noite para ver a iluminação natalina, mas lembrei que às 17hs o navio zarpava. Apertei o passo por esse caminho desenhado no chão:

Após encontrar um cyber café e falar com minha mãe por quase 20 minutos pagando apenas €2, resolvi tirar uma foto da fila dos táxi:

Foi a minha sorte grande, pois assim que acabei de tirar esta foto, vi as meninas do shopping do navio: Marcelinha cor-de-rosa e Chris tudo de bom.
Muita, muita sorte! Essas duas gurias foram as companhias perfeitas até o final dessa aventura.
Minha câmera nessa hora já estava dando seus espirros traumatizantes e quase me deixou na mão.

Encontrá-las me deu tanta alegria, mas me fez esquecer completamente que eu, até então, não tinha almoçado:

A caminho do Mc, encontramos uma parque com um gramado tão verdinho que não resistimos. As meninas mergulharam na grama. Fizemos várias sessões fotográficas declarando o nosso amor pela ilha. Essa foto tem um quê “tokusatsu” (superheróis japoneses) e foi inspirada numa linda foto que o Gamewatch tirou lá no Japão:

As meninas ficaram descalças. Pularam e rolaram na grama como crianças. Eu tentei pegar a bagunça delas, mas só saiu minha carona de felicidade. Vou precisar pegar as fotos com as meninas:

Era impossível não brincar com o nosso branquinho escondidinho por entre as árvores e suas chaminés amarelinhas:

Nem bem deu tempo de descansar:

Foi só o tempo de comprar um Big Mac, devorar o hambúrguer com apenas 3 mordidas, quase morrer engasgado com a Fanta, guardar as batatas na mochila, correr como um louco para honrar a pontualidade e ainda assim, conseguir centralizar o navio numa foto em movimento:

16- Lisboa (Portugal)

Após deixarmos Gilbraltar, o Mar Mediterrâneo e suas cidadezinhas brilhantes lá no horizonte escuro, entramos finalmente no imenso e profundo Oceano Atlântico.
O coração bateu mais forte. Ainda estávamos contornando a costa da Península Ibérica, mas mesmo esse contorno já era suficiente para sentirmo-nos distantes de qualquer pedaço de terra.
Navegar no Mediterrâneo é um pouco mais tranqüilo, no sentido de que nas noites, é possível visualizar as cidades oscilando suas luzinhas lá no horizonte.
Uma vez no Atlântico, a gente perde um pouco dessas referências. A noite é um breu que só. Impossível de se localizar.
Mas só não se localizava quem era muito perdido ou não ligava a tv da cabine. Havia uma programação bastante interessante em um dos canais televisivos do navio. Era o canal da Costa, que trazia informações constantemente atualizadas sobre direção do vento, velocidade do navio, distância percorrida, mapas de navegação, cidade de partida, cidade de destino, cidades próximas, temperatura…
A nota mais importante da noite era o aviso para não se esquecer de atrasar o relógio uma hora. Estávamos ultrapassando os fusos. Mal sabia eu que ainda teria a felicidade de retroceder as horas do relógio umas quatro ou cinco vezes ainda… Hehehehe… Isso garantia Crew Party, (festa da tripulação).

Às 5hs da manhã do dia 29 de Novembro, entramos pelo canal de Lisboa e navegamos pelo imenso Rio Tejo. Uma hora depois, estávamos atracando no colorido porto de Lisboa.
A temperatura de 9°C da manhã escondia a cidade e a imensa ponte 25 de Abril. Uma imensa neblina se espalhou a perder de vista e só mais tarde pude então ver um Cristo de braços abertos do outro lado do rio e conferir a magnitude da tal ponte.

Nesse dia, meu chefe me disse que eu teria um extra job, um trabalho a mais para realizar.
Nem me preocupei muito. Trabalho convencional, trabalho extra, não importava. Todo o trabalho era sempre trabalhoso, então relaxei e fiquei curtindo a vista da curiosa Lisboa que chamava muito a minha atenção. Ora por seus telhados, ora por suas igrejas espalhadas em cada canto, por seu trem cruzando a cidade a cada minuto, pelo movimento no porto logo abaixo, pelos carrinhos passando em cima da imensurável ponte como forminhas num galho de árvore…
Então meu chefe me avisou que eu ia fazer as balconies.
Isso não podia ser tão difícil assim. Pensei comigo: “Limpar balcão não deve ser tão mais difícil que limpar piscina”.
Para o meu doce engano, as balconies eram as varandas do navio.
O trabalho, sem dúvida, foi o mais terrível e pesado que eu fiz lá no navio.
Primeiro precisávamos abrir todas as varandas de todas as cabines. Somente o trabalho de abri-las demorou uma hora.
Olhei lá da última varanda para a primeira e não acreditei na distância percorrida. As varandas iam de proa à popa.
Depois, precisávamos colocar as duas cadeiras de cada varanda juntas e colocar a mesinha de cada uma delas em cima das duas cadeiras. Mais uma hora fazendo isso.
Havia esquecido a jaqueta lá na primeira varanda. Aproveitei que estava na última e cronometrei quanto tempo eu levaria pra andar de um lado para o outro do navio, apenas pulando as divisórias. Demorei 10 minutos.
Nem vou falar que precisei lavar os vidros das todas as sacadas e as divisórias, enquanto meu amigo enxaguava com água corrente e o meu outro amigo secava o chão com o rodo.
Lembro-me bem ao chegar à última varanda e soltar um suspiro de satisfação. Estava completamente esgotado, mas havia terminado a última varanda em cima do meu horário de almoço.
Então, aparece meu chefe com sua carona lavada dizendo que fizemos um bom trabalho.
Eu já estava tirando luvas, botas e para minha surpresa o tal chefe, com o sorriso mais amarelo do mundo, nos manda pro outro lado do navio fazer a mesma coisa…

Não sei bem como eu consegui finalizar aquele outro lado. Acho que foi intervenção divina.
Quando terminei o outro lado, até tinha perdido a vontade de descer em Lisboa, mas como era extra job, havia ganhado uma horinha a mais.
Arrastei-me para minha cabine, troquei meu uniforme molhado e meus sapatos ensopados por roupas limpinhas, calcei meu confortável tênis que parecia pesar uma tonelada. Carreguei a mochila com minha máquina fotográfica, alguns trocados, uma cópia do meu passaporte, um agasalho e desenterrei a vontade de conhecer a famosa cidade portuguesa.
O sol estava querendo aparecer, mas ainda estava fraco.
Rastejei-me para a gangway, a porta de saída/entrada do navio.
Bastou atravessar aquela pequena ponte e quando pisei no solo português uma força, que eu não sei da onde surgiu, me impulsionou e me encheu o peito.

Já tinha perdido 20 minutos e ainda estava na frente ao navio!
Não havia ninguém pra dividir táxi.
Todo mundo que eu conhecia já tinha saído há horas e só voltariam bem depois de mim…
Raios!
Eu não tinha muitos €uros no bolso, mas se não pegasse um táxi com um destino bem bacana eu provavelmente não teria tempo para ver nada.

Peguei o primeiro Joaquim que vi e entrei no táxi. O safado do Joaquim se chamava Antônio e me fez a corrida até o centro por €15.
Pelo menos ele foi atencioso e me garantiu levar para um lugar em que eu poderia tirar excelentes fotos, já que para atender ao meu pedido, de me levar até Fátima, necessitaríamos de mais tempo, coisa que eu não tinha.

A Praça do Comércio foi onde desci.
Eu estava renovado!
Naquela praça, estar cansado por causa das balconies, estar sozinho por causa do meu horário maluco, estar €15 mais pobre e com a lembrança de que a tia Lurdinha e o tio Carlão já tinham pisado aqui, de alguma forma me renovou.

Não acreditei na beleza do lugar.
Caminhei para o meio da praça e me ajoelhei para tirar uma das primeiras fotos:

Nem bem terminei de tirá-la e abordei meu primeiro casal de turistas. Com meu inglês britânico… Hehehe… pedi com muita educação para o casal tirar uma foto minha:

Corri para atravessar o Arco do Triunfo da Rua Augusta, um arco situado na parte norte da Praça do Comércio:

Atravessei o arco e um mundo europeu se abriu pra mim. A Rua Augusta concretizou pra mim a idéia que eu tinha do que seria a Europa.
Aquele ar europeu estava ali, em cada cantinho. Cada passo que eu dava, eu me maravilhava com aquela bagunça sofisticada:

Lisboa me lembrou, num primeiro contato, a Londres retratada através dos relatos dos meus amigos viajantes. Pessoas do mundo todo circulando ao lado dos moradores da cidade.
Encontrei mais nacionalidades naquelas ruas do que no navio. Era um mar de turistas do mundo todo.
Esse clima de centro de cidade, com o ar do Rio Tejo que mais parece o Atlântico, associado aos numerosos monumentos de arte manuelina, museus e edifícios centenários construídos com inteligência e uniformidade, fazia com que eu esquecesse que aquele povo falava a minha língua.
A cidade tem o formato de um anfiteatro ao longo de seus declives e de suas colinas baixas. Ela se reflete totalmente nas águas do seu rio.

A tal Rua Augusta é impressionante, cheia de vida, de lojinhas, de artistas de rua… Comprei um postal numa lojinha coloridíssima e testei o meu português de Portugal, que foi bem aceito pelo vendedor. Comprei selos, escrevi meia dúzia de palavras e dessa vez resolvi encontrar uma caixinha de correios para ter certeza de entrega. (Até hoje não chegou em casa!):

Eu andava velozmente sem rumo. Não me incomodavam as dores nas costas, nas pernas e nos pés. Eu estava de alguma forma anestesiado com a beleza do elegante bairro do século XVIII, projetado pelo famoso marquês de Pombal (olha as aulas de história da Profª Bartira!).
Eu tive que parar numa das ruas. Algo monumental me chamou a atenção.
Era o Elevador de Santa Justa. Uma enorme torre em design neogótico romântico que mais parecia um foguete saído dos livros do Mochileiro das Galáxias:

Claro que não subi a Santa Justa, acabei esquecendo de passar lá na volta.
Na verdade prefiro culpar o tempo a meu esquecimento.
Na verdade verdadeira, como não tinha destino definido, acabei andando muito e me distanciei horrores do elevador.
Como tudo era uma grande descoberta, acabei encontrando outras curiosidades e me arrepiando com cada uma delas, o que me fez esquecer um pouco do elevador… (Eu iria compensar em Salvador…).
Mas se de um lado eu não subi a Santa Justa, do outro eu sabia tudo sobre ele.
Que ele fora concebido por um aprendiz de Gustave Eiffel e que sua principal serventia, era ligar o bairro baixo ao bairro alto. Ele abriu em 1902 e funcionava a vapor. Só em 1907 passou a trabalhar a energia elétrica, sendo o único elevador vertical em Lisboa a prestar um serviço público. Ele sobe 45 metros e leva 45 pessoas em cada cabine (existem duas) até um café panorâmico lá no topo, para vistas magníficas sobre o centro de Lisboa e o Tejo.

Após voltar para a Rua Augusta, encontrei uma daquelas docerias irresistíveis e gastei uns €5 em uns bolinhos doces. Lembravam um pouco os bolinhos de chuva, mas tinham sabor de sonhos de padaria. Fui comendo os bolinhos, que se acabaram assim que eu cheguei à Praça Dom Pedro IV.
A praça era enorme, um monte de gente indo e vindo, o metrô era logo ali. Uns malucos estavam com uns headphones alienígenas e aqueles microfonões felpudos gravando o som ambiente. Quase fui lá falar com eles. Acho que alguma agência estava gravando imagens e sons para um filme ou comercial.
Lá, havia uma barraca linda de flores. Lembrei da minha mãe e da minha tia Vera na hora:

Foi então que quando eu estava lá no meio da praça, vi o meu destino iluminado pelo sol da tarde:

Na hora tive o insight de subir ao castelo.
O castelo ficava na parte alta da cidade.

Como eu chegaria ali?
Não pensei muito, pois pensar consumia minutos.
Botei os neurônios pra funcionar e segui meu instinto GPS.

Caminhei incansavelmente por ladeiras cheias de paralelepípedos e vi construções completamente clássicas abrigarem tantas lojinhas bacanas.
Os africanos aqui andam em grupos de no mínimo cinco companheiros. Estão em todos os lugares e são mais numerosos do que os próprios portugueses.
Os turistas também são fáceis de se notar, pois estão sempre falando alto e munidos de poderosas basucas fotográficas.
Os mais notáveis, porém, eram uma turminha colorida que vinha descendo uma enorme ladeira enquanto eu ia subindo. Ainda não sabia o nome daqueles brasileiros, mas sabia que eles estavam no mesmo navio que eu. Eles fizeram uma festa ao se depararem comigo. Foi assim que as meninas que trabalhavam no shopping do navio se tornaram minhas grandes amigas: Chris e Marcela.
As meninas estavam lá desde cedinho e ainda ficariam zanzando por mais algumas horas. Após elas demonstrarem compaixão para com a minha peregrinação e me redirecionarem, elas bateram uma foto:

Após me despedir das garotas, pensei comigo: “Não me importo tanto com o castelo, mas tenho certeza que se eu conseguir chegar próximo às muralhas, vou ter uma excelente visão da cidade”.
Apertei o passo e descobri os caminhos.
Andar pelas ruas baixas me dava um prazer absurdo. Entre as ruazinhas eu ia vendo quintais cheios de flores, roupas no varal, gatos preguiçosos em becos aconchegantes iluminados por um sol dourado:

Encontrei um tiozinho português, que além de tirar uma foto minha, indicou a escadaria que levava até a região do castelo:

Descobri mais caminhos aconchegantes e um monte de velhinhos formidáveis,que me indicaram continuar subindo.
Os caminhos pareciam sair dos animes do Studio Ghibli. Parecia que o diretor Hayao Miyazaki já tinha passado por ali e captado a essência daquela existência, daquele chão, daqueles muros e paredes…
Todos os caminhos me lembravam os caminhos do Studio Ghibli:

O dia nublado e cheio de neblina havia se transformado num dia de céu azul e sol dourado, como os meus preferidos dias de Agosto no Brasil.
Olhava para as janelas e imaginava o interior das casas, seus moradores…
Rapidamente comecei a imaginar como deveria ser bom ser criança e poder crescer nesse lugar.
Era como se eu tivesse entrado numa máquina do tempo e voltado centenas de anos, para uma Lisboa completamente diferente daquela lá embaixo:

E fui subindo os degraus, como se eles existissem apenas para mim.
Contemplei os telhados vermelhinhos e vi o horizonte aos poucos se abrindo:

Perdi o fôlego:

Mas recuperei rapidamente ao ver um casal de alemães se aproximar. Pedi-lhes mais uma foto:

Isso tudo ficava aos arredores daquele castelo, que cobrava meus poucos €uros para acessá-lo.
Resistí-lo foi fácil, já que o que me interessava mesmo estava do lado de fora dessas muralhas e meu bolso não estava tão cheio assim. Mas não resisti ao pedido educado de um senhor britânico, oferecendo-se para tirar uma foto minha. Caprichei no “th” do thank you e fiz pose de turista:

Resolvi descer até o centro tomando um outro caminho.
Perguntei para um jovem guardinha como chegar até a Praça do Comércio e a resposta pareceu vir numa língua que eu nunca ouvira na vida.
Pensei que o cara estava falando alemão, depois pensei ser grego ou russo, mas era o incompreensível português cheio de gíria de Portugal.
Limpei meus ouvidos novamente e pedi para o guardinha repetir em slow motion, apertando a tecla SAP.
Então, ele me deu um sorrisão e falou: “-Brasileiro…” Quando dei por mim já estava dentro de uma lojinha de lembrancinhas comprando um galinho para minha mãe. Santas moedinhas!

Descer foi fácil.
Bastou seguir o trilho do bondinho que não havia como errar:

Eu ia descendo, encontrando turistas, tirando fotos:

O sol também ia descendo o horizonte. Se tivéssemos combinados, não estaríamos tão sincronizados:

Os caminhos dourados brilhavam aos meus olhos:

Apesar da temperatura máxima de 16°C refrescar-me o passeio inteiro, aquele sol surreal manteve o meu coração aquecido o tempo todo e fez minha tarde render:

Vi o sol atingir em cheio uma das tantas igrejas de Lisboa. Não poderia ser mais sagrado:

E foi assim que eu cheguei aquela praça principal e encontrei meus amiguinhos indonesianos esperando o Shuttle Bus (ônibus gratuito do navio).
E foi assim que eu economizei mais alguns €uros.