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16- Lisboa (Portugal)

Após deixarmos Gilbraltar, o Mar Mediterrâneo e suas cidadezinhas brilhantes lá no horizonte escuro, entramos finalmente no imenso e profundo Oceano Atlântico.
O coração bateu mais forte. Ainda estávamos contornando a costa da Península Ibérica, mas mesmo esse contorno já era suficiente para sentirmo-nos distantes de qualquer pedaço de terra.
Navegar no Mediterrâneo é um pouco mais tranqüilo, no sentido de que nas noites, é possível visualizar as cidades oscilando suas luzinhas lá no horizonte.
Uma vez no Atlântico, a gente perde um pouco dessas referências. A noite é um breu que só. Impossível de se localizar.
Mas só não se localizava quem era muito perdido ou não ligava a tv da cabine. Havia uma programação bastante interessante em um dos canais televisivos do navio. Era o canal da Costa, que trazia informações constantemente atualizadas sobre direção do vento, velocidade do navio, distância percorrida, mapas de navegação, cidade de partida, cidade de destino, cidades próximas, temperatura…
A nota mais importante da noite era o aviso para não se esquecer de atrasar o relógio uma hora. Estávamos ultrapassando os fusos. Mal sabia eu que ainda teria a felicidade de retroceder as horas do relógio umas quatro ou cinco vezes ainda… Hehehehe… Isso garantia Crew Party, (festa da tripulação).

Às 5hs da manhã do dia 29 de Novembro, entramos pelo canal de Lisboa e navegamos pelo imenso Rio Tejo. Uma hora depois, estávamos atracando no colorido porto de Lisboa.
A temperatura de 9°C da manhã escondia a cidade e a imensa ponte 25 de Abril. Uma imensa neblina se espalhou a perder de vista e só mais tarde pude então ver um Cristo de braços abertos do outro lado do rio e conferir a magnitude da tal ponte.

Nesse dia, meu chefe me disse que eu teria um extra job, um trabalho a mais para realizar.
Nem me preocupei muito. Trabalho convencional, trabalho extra, não importava. Todo o trabalho era sempre trabalhoso, então relaxei e fiquei curtindo a vista da curiosa Lisboa que chamava muito a minha atenção. Ora por seus telhados, ora por suas igrejas espalhadas em cada canto, por seu trem cruzando a cidade a cada minuto, pelo movimento no porto logo abaixo, pelos carrinhos passando em cima da imensurável ponte como forminhas num galho de árvore…
Então meu chefe me avisou que eu ia fazer as balconies.
Isso não podia ser tão difícil assim. Pensei comigo: “Limpar balcão não deve ser tão mais difícil que limpar piscina”.
Para o meu doce engano, as balconies eram as varandas do navio.
O trabalho, sem dúvida, foi o mais terrível e pesado que eu fiz lá no navio.
Primeiro precisávamos abrir todas as varandas de todas as cabines. Somente o trabalho de abri-las demorou uma hora.
Olhei lá da última varanda para a primeira e não acreditei na distância percorrida. As varandas iam de proa à popa.
Depois, precisávamos colocar as duas cadeiras de cada varanda juntas e colocar a mesinha de cada uma delas em cima das duas cadeiras. Mais uma hora fazendo isso.
Havia esquecido a jaqueta lá na primeira varanda. Aproveitei que estava na última e cronometrei quanto tempo eu levaria pra andar de um lado para o outro do navio, apenas pulando as divisórias. Demorei 10 minutos.
Nem vou falar que precisei lavar os vidros das todas as sacadas e as divisórias, enquanto meu amigo enxaguava com água corrente e o meu outro amigo secava o chão com o rodo.
Lembro-me bem ao chegar à última varanda e soltar um suspiro de satisfação. Estava completamente esgotado, mas havia terminado a última varanda em cima do meu horário de almoço.
Então, aparece meu chefe com sua carona lavada dizendo que fizemos um bom trabalho.
Eu já estava tirando luvas, botas e para minha surpresa o tal chefe, com o sorriso mais amarelo do mundo, nos manda pro outro lado do navio fazer a mesma coisa…

Não sei bem como eu consegui finalizar aquele outro lado. Acho que foi intervenção divina.
Quando terminei o outro lado, até tinha perdido a vontade de descer em Lisboa, mas como era extra job, havia ganhado uma horinha a mais.
Arrastei-me para minha cabine, troquei meu uniforme molhado e meus sapatos ensopados por roupas limpinhas, calcei meu confortável tênis que parecia pesar uma tonelada. Carreguei a mochila com minha máquina fotográfica, alguns trocados, uma cópia do meu passaporte, um agasalho e desenterrei a vontade de conhecer a famosa cidade portuguesa.
O sol estava querendo aparecer, mas ainda estava fraco.
Rastejei-me para a gangway, a porta de saída/entrada do navio.
Bastou atravessar aquela pequena ponte e quando pisei no solo português uma força, que eu não sei da onde surgiu, me impulsionou e me encheu o peito.

Já tinha perdido 20 minutos e ainda estava na frente ao navio!
Não havia ninguém pra dividir táxi.
Todo mundo que eu conhecia já tinha saído há horas e só voltariam bem depois de mim…
Raios!
Eu não tinha muitos €uros no bolso, mas se não pegasse um táxi com um destino bem bacana eu provavelmente não teria tempo para ver nada.

Peguei o primeiro Joaquim que vi e entrei no táxi. O safado do Joaquim se chamava Antônio e me fez a corrida até o centro por €15.
Pelo menos ele foi atencioso e me garantiu levar para um lugar em que eu poderia tirar excelentes fotos, já que para atender ao meu pedido, de me levar até Fátima, necessitaríamos de mais tempo, coisa que eu não tinha.

A Praça do Comércio foi onde desci.
Eu estava renovado!
Naquela praça, estar cansado por causa das balconies, estar sozinho por causa do meu horário maluco, estar €15 mais pobre e com a lembrança de que a tia Lurdinha e o tio Carlão já tinham pisado aqui, de alguma forma me renovou.

Não acreditei na beleza do lugar.
Caminhei para o meio da praça e me ajoelhei para tirar uma das primeiras fotos:

Nem bem terminei de tirá-la e abordei meu primeiro casal de turistas. Com meu inglês britânico… Hehehe… pedi com muita educação para o casal tirar uma foto minha:

Corri para atravessar o Arco do Triunfo da Rua Augusta, um arco situado na parte norte da Praça do Comércio:

Atravessei o arco e um mundo europeu se abriu pra mim. A Rua Augusta concretizou pra mim a idéia que eu tinha do que seria a Europa.
Aquele ar europeu estava ali, em cada cantinho. Cada passo que eu dava, eu me maravilhava com aquela bagunça sofisticada:

Lisboa me lembrou, num primeiro contato, a Londres retratada através dos relatos dos meus amigos viajantes. Pessoas do mundo todo circulando ao lado dos moradores da cidade.
Encontrei mais nacionalidades naquelas ruas do que no navio. Era um mar de turistas do mundo todo.
Esse clima de centro de cidade, com o ar do Rio Tejo que mais parece o Atlântico, associado aos numerosos monumentos de arte manuelina, museus e edifícios centenários construídos com inteligência e uniformidade, fazia com que eu esquecesse que aquele povo falava a minha língua.
A cidade tem o formato de um anfiteatro ao longo de seus declives e de suas colinas baixas. Ela se reflete totalmente nas águas do seu rio.

A tal Rua Augusta é impressionante, cheia de vida, de lojinhas, de artistas de rua… Comprei um postal numa lojinha coloridíssima e testei o meu português de Portugal, que foi bem aceito pelo vendedor. Comprei selos, escrevi meia dúzia de palavras e dessa vez resolvi encontrar uma caixinha de correios para ter certeza de entrega. (Até hoje não chegou em casa!):

Eu andava velozmente sem rumo. Não me incomodavam as dores nas costas, nas pernas e nos pés. Eu estava de alguma forma anestesiado com a beleza do elegante bairro do século XVIII, projetado pelo famoso marquês de Pombal (olha as aulas de história da Profª Bartira!).
Eu tive que parar numa das ruas. Algo monumental me chamou a atenção.
Era o Elevador de Santa Justa. Uma enorme torre em design neogótico romântico que mais parecia um foguete saído dos livros do Mochileiro das Galáxias:

Claro que não subi a Santa Justa, acabei esquecendo de passar lá na volta.
Na verdade prefiro culpar o tempo a meu esquecimento.
Na verdade verdadeira, como não tinha destino definido, acabei andando muito e me distanciei horrores do elevador.
Como tudo era uma grande descoberta, acabei encontrando outras curiosidades e me arrepiando com cada uma delas, o que me fez esquecer um pouco do elevador… (Eu iria compensar em Salvador…).
Mas se de um lado eu não subi a Santa Justa, do outro eu sabia tudo sobre ele.
Que ele fora concebido por um aprendiz de Gustave Eiffel e que sua principal serventia, era ligar o bairro baixo ao bairro alto. Ele abriu em 1902 e funcionava a vapor. Só em 1907 passou a trabalhar a energia elétrica, sendo o único elevador vertical em Lisboa a prestar um serviço público. Ele sobe 45 metros e leva 45 pessoas em cada cabine (existem duas) até um café panorâmico lá no topo, para vistas magníficas sobre o centro de Lisboa e o Tejo.

Após voltar para a Rua Augusta, encontrei uma daquelas docerias irresistíveis e gastei uns €5 em uns bolinhos doces. Lembravam um pouco os bolinhos de chuva, mas tinham sabor de sonhos de padaria. Fui comendo os bolinhos, que se acabaram assim que eu cheguei à Praça Dom Pedro IV.
A praça era enorme, um monte de gente indo e vindo, o metrô era logo ali. Uns malucos estavam com uns headphones alienígenas e aqueles microfonões felpudos gravando o som ambiente. Quase fui lá falar com eles. Acho que alguma agência estava gravando imagens e sons para um filme ou comercial.
Lá, havia uma barraca linda de flores. Lembrei da minha mãe e da minha tia Vera na hora:

Foi então que quando eu estava lá no meio da praça, vi o meu destino iluminado pelo sol da tarde:

Na hora tive o insight de subir ao castelo.
O castelo ficava na parte alta da cidade.

Como eu chegaria ali?
Não pensei muito, pois pensar consumia minutos.
Botei os neurônios pra funcionar e segui meu instinto GPS.

Caminhei incansavelmente por ladeiras cheias de paralelepípedos e vi construções completamente clássicas abrigarem tantas lojinhas bacanas.
Os africanos aqui andam em grupos de no mínimo cinco companheiros. Estão em todos os lugares e são mais numerosos do que os próprios portugueses.
Os turistas também são fáceis de se notar, pois estão sempre falando alto e munidos de poderosas basucas fotográficas.
Os mais notáveis, porém, eram uma turminha colorida que vinha descendo uma enorme ladeira enquanto eu ia subindo. Ainda não sabia o nome daqueles brasileiros, mas sabia que eles estavam no mesmo navio que eu. Eles fizeram uma festa ao se depararem comigo. Foi assim que as meninas que trabalhavam no shopping do navio se tornaram minhas grandes amigas: Chris e Marcela.
As meninas estavam lá desde cedinho e ainda ficariam zanzando por mais algumas horas. Após elas demonstrarem compaixão para com a minha peregrinação e me redirecionarem, elas bateram uma foto:

Após me despedir das garotas, pensei comigo: “Não me importo tanto com o castelo, mas tenho certeza que se eu conseguir chegar próximo às muralhas, vou ter uma excelente visão da cidade”.
Apertei o passo e descobri os caminhos.
Andar pelas ruas baixas me dava um prazer absurdo. Entre as ruazinhas eu ia vendo quintais cheios de flores, roupas no varal, gatos preguiçosos em becos aconchegantes iluminados por um sol dourado:

Encontrei um tiozinho português, que além de tirar uma foto minha, indicou a escadaria que levava até a região do castelo:

Descobri mais caminhos aconchegantes e um monte de velhinhos formidáveis,que me indicaram continuar subindo.
Os caminhos pareciam sair dos animes do Studio Ghibli. Parecia que o diretor Hayao Miyazaki já tinha passado por ali e captado a essência daquela existência, daquele chão, daqueles muros e paredes…
Todos os caminhos me lembravam os caminhos do Studio Ghibli:

O dia nublado e cheio de neblina havia se transformado num dia de céu azul e sol dourado, como os meus preferidos dias de Agosto no Brasil.
Olhava para as janelas e imaginava o interior das casas, seus moradores…
Rapidamente comecei a imaginar como deveria ser bom ser criança e poder crescer nesse lugar.
Era como se eu tivesse entrado numa máquina do tempo e voltado centenas de anos, para uma Lisboa completamente diferente daquela lá embaixo:

E fui subindo os degraus, como se eles existissem apenas para mim.
Contemplei os telhados vermelhinhos e vi o horizonte aos poucos se abrindo:

Perdi o fôlego:

Mas recuperei rapidamente ao ver um casal de alemães se aproximar. Pedi-lhes mais uma foto:

Isso tudo ficava aos arredores daquele castelo, que cobrava meus poucos €uros para acessá-lo.
Resistí-lo foi fácil, já que o que me interessava mesmo estava do lado de fora dessas muralhas e meu bolso não estava tão cheio assim. Mas não resisti ao pedido educado de um senhor britânico, oferecendo-se para tirar uma foto minha. Caprichei no “th” do thank you e fiz pose de turista:

Resolvi descer até o centro tomando um outro caminho.
Perguntei para um jovem guardinha como chegar até a Praça do Comércio e a resposta pareceu vir numa língua que eu nunca ouvira na vida.
Pensei que o cara estava falando alemão, depois pensei ser grego ou russo, mas era o incompreensível português cheio de gíria de Portugal.
Limpei meus ouvidos novamente e pedi para o guardinha repetir em slow motion, apertando a tecla SAP.
Então, ele me deu um sorrisão e falou: “-Brasileiro…” Quando dei por mim já estava dentro de uma lojinha de lembrancinhas comprando um galinho para minha mãe. Santas moedinhas!

Descer foi fácil.
Bastou seguir o trilho do bondinho que não havia como errar:

Eu ia descendo, encontrando turistas, tirando fotos:

O sol também ia descendo o horizonte. Se tivéssemos combinados, não estaríamos tão sincronizados:

Os caminhos dourados brilhavam aos meus olhos:

Apesar da temperatura máxima de 16°C refrescar-me o passeio inteiro, aquele sol surreal manteve o meu coração aquecido o tempo todo e fez minha tarde render:

Vi o sol atingir em cheio uma das tantas igrejas de Lisboa. Não poderia ser mais sagrado:

E foi assim que eu cheguei aquela praça principal e encontrei meus amiguinhos indonesianos esperando o Shuttle Bus (ônibus gratuito do navio).
E foi assim que eu economizei mais alguns €uros.